O tempo da história
No primeiro quartel do século XIX, alguns movimentos tentaram implantar entre nós o regime liberal tendo como figura central o general Gomes Freire de Andrade, que embora nunca apareça, está sempre presente e condiciona toda a estrutura interna da obra.
Em 1817 – primeiras manifestações dos movimentos liberais com a conspiração abortada de Gomes Freire de Andrade;
Em 1834 – acordo de Évora-monte; implantação definitiva do regime liberal. Esta revolução contra o regime absolutista pretendia acabar com a crise económica em Portugal e com a tirania britânica exercida por Beresford que influenciava a Regência portuguesa.
Objectivos da rebelião:
Implantar um regime liberal, tendo como base uma constituição assente em características populares;
A liberdade de religião, de imprensa e de palavra;
A limitação severa às prerrogativas do rei.
O conselho de Regência via nos movimentos liberais uma ameaça de destruição da estrutura tradicional do reino e a supressão dos privilégios de que as classes mais favorecidas gozavam.
O povo, pelo contrário, via nesses movimentos a única solução para ultrapassar a situação em que vivia, depositando neles todas as esperanças.
Conclusão: apesar de a conspiração ter sido descoberta, e execução dos doze indivíduos, incluindo Gomes Freire de Andrade, contribuiu para uma forte tomeda de consciência liberal. Os opositores ao regime convenceram-se das tiranias dos governantes e da impossibilidade de alterar a situação com meios pacíficos. No final da obra, Matilde representa a necessidade e o desejo de que essa luta continue – “Olhem bem! Felizmente – felizmente há luar!”.
O tempo da escrita
1961 corresponde à época da escrita da obra, época de contestações anível interno. Este clima é fruto de uma situação política, económica e social de desagrado geral. Vivia-se sob o regime ditatorial de Salazar e a desigualdade entre classes era cada vez maior. O povo vivia reprimido e explorado, abundava a mi´seria, o medo e o analfabetismo. Vivia-se no obscurantismo. A censura cortava tudo o que era contra o governo e existiam severas medidas de repressão e de toruta. Sttau Monteiro evoca situações e personagens do passado para falar do presente, para poder crititicar a sociedade do seu tempo.
Estrutura Interna – Acção dramática
Inicialmente é-nos apresentada a situação do país. A história surge no conjunto de situações em que cada uma tem uma lógica intrínseca que se revela completa. Em relação às personagens, estas apresentam a função social que o indivíduo deve exercer dentro do grupo em que vive. Todos os elementos físicos como os cenários, a música, a luz são factores importantes e têm um significado indispensável na construção do sentido, isto porque o que se pretende não é reproduzir uma realidade mas sim levar à reflexão, a uma análise crítica. A unidade da peça não depende da sequência de acções mas da personagem que as origina e que é Gomes Freire de Andrade, que apesar de nunca estar presente, funciona como elemento estruturador das diversas situações que constituem os episódios da obra.
Coclusão: a peça propõe então uma reflexão sobre a dialéctica da revolução e da contra-revolução que deve ser encarada numa perspectiva histórica. O herói é gradualmente mitificado pelo povo que revela uma intenção crítica e atribui ao general o estatuto unificador da história contada pelas outras personagens.
Gomes Freire de Andrade e o tempo da acção
O general é uma figura carismática que aflige os grandes e que arrasta os pequenos. Vai permitir ao autor desmascarar situações e denunciar injustiças. A personagem, provocando uma grande concentração da acção, quase permite falar em unidade de tempo. Não podemos, no entanto, ignorar que várias peripécias se desenvolvam até á detenção de Gomes Freire. É Sousa Falcão que nos informa que depois de encerrado numa masmorra, só ao fim de alguns dias lhe deram de comer, o que nos deixa pressupor que tudo se precipita até ao desenlace.
Didascálias
As didascálias são textos que nos fornecem indicações fundamentalmente sobre o cenário, sobre a movimentação das personagens, o jogo fisionómico, o traje, a luminosidade e o som. Ao mesmop tempo que as palavras proferidas pelas personagens surgem como explicação, denúncia e explicitação da linguagem destas. Muitas vezes, têm as funções da descrição do narrador interventivo, de uma focalização interna e de um convite à reflexão, entre outros.
As personagens
Encontramos ao longo da obra dois tipos de personagens: personagens que representam tipos sociais e personagens que para além das causas sociais se impõem pela sua individualidade.
Gomes Freire d’ Andrade – é uma personagem virtual pois não aparece em cena mas está sempre presente. Para o povo é um herói. É a sua figura que move a acção das personagens. Representa simbolicamente a integridade e a recusa da subserviência. A sua capacidade de liderança e os exemplos de coragem representam o Portugal do passado. Gomes Freire é caracterizado pelas outras personagens. É o símbolo da audácia e da intrepidez do povo a que pertence, ele é o elemento que pela simples razão de existir se torna incómodo – “A sua vida inteira foi uma conspiração permanente contra o que esta gente representa”.
Matilde de Melo – é uma mulher de carácter forte, vibrante nas palavras de paixão, corajosa, recusa a hipocrisia e odeia a injustiça e o materialismo. Não suporta a separação do homem que ama. Matilde é o alter-ego (o outro eu) de Gomes Freire, do qual é impossível dissociar o clamor da revolta. Será ela a tentar provar a inocência do general. Como mulher, simboliza o feminino – “Sou a mulher dele, António...e ele...o meu homem”. Arquétipo da mulher que ama e que sofre por amor. Representa o sofrimento íntimo daqueles que vendo-se afastados do ser que os completa, se sentem despojados da unidade que simbolizam. O ser individual supera o ser social, discurso que funciona como resposta ao discurso oficial e que se apoia em textos bíblicos. Reivindica a sua felicidade e a do homem que ama apresentando um discurso de conotações políticas.
Elementos simbólicos
Saia verde – Matilde ao utilizar a saia verde faz com que o luto dê lugar à esperança. O verde simboliza a renovação da natureza, a longevidade e a imortalidade; eventualmente o reencontro entre Matilde e Gomes Freire numa outra vida.
A noite – sofrimento e morte; símbolo do poder maldito e das injustiças dos governadores; “tempo das germinações e conspirações”.
O luar – prefigura a morte da Terra mas pelas suas diferentes fases associa-se a rituais de renovação e de mudança da natureza.
A ambiguidade do título
Tem um sentido disfórico, conotado com o medo e o fim de uma rebelião quando é proferido por D. Miguel. Tem um sentido contrário quando é dito por Matilde. Representa a esperança numa nova era em que o povo se revoltará contra o poder dos governantes. A repetição do advérbio “felizmente” profetiza o dealdar da rebelião que havia de conduzir ao triunfo do movimento liberal em 1820.
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